Texto bíblico na Nova Tradução na
Linguagem de Hoje
Paulo Francisco dos Santos[1]
“E, para mostrar
que vocês são seus filhos, Deus enviou o Espírito do seu Filho ao nosso
coração, o Espírito que exclama: “Pai, meu Pai.”
Gálatas 4.6
Há uma frase
celebre em João 1.12[2] que indica qual é a posição
de quem recebe Jesus como salvador e transmite uma realidade que é por vezes poetizada e muito pouco vivida
numa extensa parte do cristianismo. A beleza da ideia de ser τεκνα θεου (gregro: τεκνα/tékna=filho; θεου/theos=Deus),
ou seja, filho de Deus é utópica para muitos e o que realmente se enxerga é a
realidade de δουλος (doulos significa servo em grego). Ao pensar na
identidade de filho em relação ao cristianismo compreendemos a verdadeira razão
da graça (favor imerecido) que doa salvação e filiação divina sem a
contrapartida que é esperada numa relação de trabalho, ou seja, não existe mérito
humano no que Cristo fez na cruz do Calvário e na adoção que transforma o
pecador que é também inimigo[3] de Deus em filho amado. No
relacionamento paternal humano vemos que um filho não recebe presentes, amor e
tudo que seu pai lhe oferece por que fez alguma coisa em troca, mas sim, a grande
realidade é que tudo o que esse filho recebe é fruto do amor e não de mérito. Agora,
pensemos juntos, se num relacionamento paterno humano a visão de graça é tão significativa,
o que dizer do relacionamento de Deus e o ser humano? Porém, parece que durante
anos o discurso e a prática cristã transforma essa realidade em conto de fadas
e insere no coração daqueles que iniciam a fé a falsa ideia de que se queremos
conquistar alguma coisa de Deus deve ser por nosso esforço, nosso mérito ou num
adágio evangélico bem popular – “Para receber a benção tem que pagar o preço!”
A mentalidade de servo nos impulsiona a olhar para Deus como um patrão que só
nos irá abençoar se fizermos alguma coisa... Talvez você pergunte: “O quê que
tem de mal fazer alguma coisa para Deus?” Realmente não há mal algum em fazer
coisas para Deus, desde que você não queira compra-lo com isso. Pense bem.
Quando oro, jejuo ou leio a Bíblia eu faço isso por prazer e por que tenho
comunhão com Deus ou porque estou procurando agradar-lhe e então receber seu
favor? Eu faço boas obras por que sou filho de Deus ou porque quero conquistar
tal favor? A mentalidade de servo irá me condicionar à ideia de que se não
trabalhar não receberei nada de Deus. Pregar o evangelho e outras realizações não
serão fruto do amor e comunhão com o Pai, mas um esforço colossal para que a
aceitação dEle chegue para aquietar o coração desprovido da verdadeira
identidade que todo cristão recebe ao confessar Jesus como Salvador. A palavra servo para o filho
de Deus designa apenas sua função no reino, assim como as funções de músico,
pastor, professor, apóstolo etc, porém a identidade é outra, servo não é a
identidade de quem nasceu de novo, pois Deus nos escolheu para sermos seus
filhos[4]. Infelizmente quantos de nós
(cristãos) não nos sentimos filhos? Até nas orações expressamos isso, pois
quase nunca nos dirigimos a Deus o chamando de “Pai, meu Pai” como o versículo[5] em tela nos mostra como o
Espírito quer nos impulsionar a orar, infelizmente recebemos uma visão
distorcida desta verdade e ao orarmos dizemos: “Ouve, Deus o teu servo!” ou
olhamos para o céu e chamamos Deus de Senhor, Rei, Majestade, Excelso etc (não
estou dizendo que exaltar a Deus com estes títulos é errado) e
nunca mencionamos que Ele é nosso Pai. Não enxergar Deus como Pai produz uma orfandade
que interfere no real conhecimento de nossa identidade e isso, faz com que
muitos cristãos não se sintam amados e até mesmo perdoados. Não podemos
esquecer que a salvação não é fruto do mérito humano, mas do amor divino, assim
como o perdão, os dons, a vida em si e tudo que temos é advém da infinita graça
de Deus e o fato de sermos filhos e reconhecermos isso restaura o sentimento
que recebemos assim que aceitamos o Evangelho. Não deixe uma filosofia instalada
no meio cristão falar mais alto do que a verdade da Palavra de Deus que revela
que aquele que recebe Jesus como Salvador se torna filho de Deus e passar usufruir
do relacionamento de Pai e filho. Deixe de lado a mentalidade de servo e assuma
sua real identidade: “filho e filha de Deus” e passe a olhar a Deus como um Pai
que ama, perdoa, entende, ensina, também repreende, liberta do pecado, abençoa
e faz todo o possível para se relacionar com você.
SP, Fevereiro de
2014.
[1] Pastor,
escritor, poeta, Teólogo e bacharel em direito.
[2] Porém alguns creram nele e o
receberam, e a estes ele deu o direito de se tornarem filhos de Deus.
[3] 2 Coríntios 5.18: “Tudo isso é
feito por Deus, o qual, por meio de Cristo, nos transforma de inimigos em
amigos dele. E Deus nos deu a tarefa de fazer com que os outros também sejam
amigos dele.”
[4] Gálatas 4.7: “Assim vocês não são
mais escravos; vocês são filhos. E, já que são filhos, Deus lhes dará tudo o
que ele tem para dar aos seus filhos.”
[5] O grego traz a palavra αββα ο πατηρ (abba ho pather)
que significa meu pai, meu paizinho e que mostra a estreita relação entre um
pai humano e seus filhos, ou seja, intimidade, comunhão num relacionamento que
dá uma ideia sobre qual relacionamento o cristão deve ter com Deus, sendo
filho.
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